“Amigos médicos e não médicos, deixa eu contar uma história pra vcs…
Ontem foi meu ultimo plantão de segunda-feira… Há alguns meses, numa segunda (dia internacional do atestado) logo após um feriado prolongado eu atendi um senhor de 42 anos, vou chama-lo de José.
José estava trabalhando numa obra qdo sentiu uma forte dor na “barriga” ele não sabia mas era hipertenso. Chamou um amigo e disse que estava passando mal, o amigo pegou o carro e levou ele até o hospital onde eu trabalhAVA as segundas a noite.
Da obra ao hospital ele demorou 10 minutos. Era 14:13 a hora que ele pegou uma senha de atendimento para fazer uma ficha… Atentem para os horários… Uma breve descrição da situação do hospital…
Pós feriado, abarrotado de jovens adultos insatisfeitos com sua carreira profissional em busca de que? Ajuda? Conforto? Atestado? Malandragem? Junto dos jovens adultos tinham tb muitas mulheres de meia idade, insatisfeitas com seu casamento, com seus filhos e porque não com sua vida e suas frustrações? Some aos jovens adultos e as mulheres de meia idade alguns vozinhos fofuras que de tão só, contentam-se em esperar longas horas para apenas conversarem com a recepcionista, as enfermeiras e os médicos…
Somando todos eles: 67 fichas de atendimento na frente de José, que de tanta dor na “barriga”, estava quietinho sentado aguardando longos 42 minutos para ABRIR a ficha.
Depois de ficha aberta, José aguardou mais 33 minutos para passar pela triagem do hospital, para quem não conhece, é um sistema que classifica o risco do doente. Depois de 75 minutos (fazer ficha + triagem) a enfermeira chama Jose e faz uma breve anamnese e afere seus sinais vitais. PA: 240 x 130mmHg (normal 120x80mmHg), sudoreico, agachado de tanta dor, por ser analfabeto, José mal sabia descrever o que estava sentindo…
A enfermeira seguindo o protocolo me chama imediatamente. José? Vc tem pressão alta? Quietinho… “Tímido” foi a única coisa que respondeu: – Não sei senhora… Me ajuda…
Não… Eu jamais vou esquecer essa cena.
Em menos de 2 minutos eu estava com um eletrocardiograma na mão com um infarto extenso e gravíssimo, coloca José na maca, leva pra sala de emergência, enquanto a medicação era preparada José teve uma parada cardiorespiratoria… Mesmo depois de incansáveis 65 minutos de reanimação, José foi a óbito.
O infarto era grave, jamais saberemos se ele teria chance de sobreviver, mas a chance foi tirada por:
Jéssica, 22 anos, bronzeada do sol do feriado, atendente de telemarketing queixando de ROUQUIDÃO. Tiago, 19 anos, auxiliar administrativo queixando-se de DIARREIA. Eduardo, 28 anos, caixa de banco queixando de RESFRIADO e do ar condicionado. Marta, 52 anos, dona de casa, queixando de TONTURA. Cleber, 38 anos queixando de DOR NA PERNA há 8 meses. João, 82 anos, queixando de FRAQUEZA.
Esses foram os 6 pctes que eu atendi antes de José. Tentei por alguns meses educar a população sobre a importância do pronto socorro… Perdi… Adeus segundas!
E agora, José?”
Fato verídico
Texto de autoria da médica Aline Lopes de Almeida, publicado com autorização da mesma.
3 respostas para “Causos médicos 01 – Seu problema é realmente urgente?”
Cara eu sempre gostei do seu blog e curto pra caramba sua tirinhas, mas a essa realidade é triste uma pessoal morreu por capricho de outras pessoas de não gostarem da sua situação atual.Sera que eles pensaram que um dia da vida deles pode ter custado a vida de alguém?Gosto muito do seu trabalho e acho que essa historia devia ser vista por mais pessoas,parabéns pelo seu trabalho de coração!!
Infelizmente essa realidade é uma luta constante para quem trabalha em pronto-socorro. Não sou médico, sou gerente de projetos leigo no assunto, e gostaria de tirar uma dúvida: existem alguns procedimentos que poderiam ser mais eficazes na triagem e na priorização de casos como esse?
Parabéns pelo trabalho, Solon. São pessoas como você que fazem a diferença e ajudam a transformar o imutável.
Acho relevante o intuito do post, e muito válido. No entanto, é preciso pensar também no outro lado. Às vezes, pessoas com problemas que à classe médica são desimportantes ou algo assim, trazem imensa preocupação e até desespero às pessoas que os sofrem. Acho também que deve-se pensar duas vezes antes de ir ao PA por algo aparentemente bobo, mas nem tudo o que parece nada de fato dá em nada – uma vez desmaiei de desidratação por diarreia e vômitos, coisa simples mas que, no entanto, me deixou apreensiva e inconsciente. É preciso questionar também a situação do PA, será que o atendimento foi eficiente? Será que não foi demasiadamente demorado? Será que a triagem foi eficiente na classificação de risco? Não sei, acho importante alertar a população sobre interditar desnecessariamente o PA, no entanto, até onde será que leigos em medicina podem classificar o risco de um problema médico? Isso não deveria ser o papel da enfermeira da triagem? Ou de algum outro funcionário talvez? Ou da escassez de plantonistas? Eu concordo com o seu ponto, mas acho válido mostrar alguns outros…