Acordei neste domingo com um e-mail que me sensibilizou…
O drama de um médico que acabou de ingressar na residência. Não está satisfeito e não sabe o que fazer. Passei por isso e acredito que muitos outros colegas também.
Respondi o e-mail e resolvi compartilhar com vocês, para que a questão seja levantada, discutida, e também porque talvez ajude outras pessoas que esteja passando pelo mesmo problema, nem que seja para verem que não estão sozinhas… O drama da residência é comum à grande maioria dos médicos. Só quem está dentro ou que já passou por isso é que sabe o quanto é difícil.
E-mail do estimado R1 de Ortopedia:
“Boa noite. Tudo bem?
Vi recentemente uma postagem sua que retratou exatamente o que estou passando. Estou iniciando meu segundo mês de residência medica em ortopedia e não é nada do que eu esperava. Porem, hoje vivo com um agravante, que é a falta de oportunidades para médicos na atenção primária. Estou correndo o risco de largar a residência e ficar desempregado!
A carga de serviço é extenuante, os preceptores são uns “animais” e, para completar, o tema não esta me seduzindo nem um pouco. Como você já passou por essa situação, será que me sugere algo? Algum conselho? Alguma consideração a fazer? Estou perdido!
Obrigado pela atenção.
R1 de Ortopedia.”
Minha resposta:
Olá, colega!
Obrigado pela confiança ao se expor e pedir meus conselhos, mas saiba que talvez eu não seja a melhor pessoa para isso… Sou exageradamente revoltado com o esquema que vigora na maioria das residências médicas, a “mera tocação de serviço”, e mais revoltado ainda com o bullying praticado pelos “colegas” que estão a mais tempo na residência… De qualquer forma, vamos lá!
Tentarei ser racional para te dar essa resposta… Então, aí vão alguns pontos que você deve levar em consideração:
1) Está cada vez mais difícil passar na prova de residência! Largar e ficar desempregado é menor dos problemas… O complicado mesmo é conseguir seguir adiante e passar novamente!
2) Quanto mais você demora a passar, mais difícil vai ficando! Inevitavelmente elevará seu padrão de vida, terá que trabalhar mais, e passará a ter que conciliar trabalho com estudo… Quanto mais o tempo passar, maior será sua desvantagem em relação à turma nova que está saindo da faculdade. É preciso muita disciplina pra estudar de forma correta anos depois de formado.
3) O mercado de trabalho em medicina está se saturando exponencialmente; explodiram milhares de vagas de faculdades meia-boca e ainda é só o começo. Residência agora é mais importante que nunca!
4) Quanto mais demora para ingressar, mais difícil será aguentar a residência. Você já terá certa idade e experiência; não será fácil engolir sapos, acatar ordens absurdas, levar a culpa por coisas que não fez, etc. Vivo isso atualmente; é bastante complicado. Quanto mais cedo você passar por isso, melhor.
5) Você tem que identificar se o seu problema é com a especialidade, ou se é com o modo que funciona sua residência.
6) Por mais que você ame a especialidade escolhida, se for apenas “tocação de serviço”, com carga horária realmente exagerada, sendo constantemente humilhado, destratado, desrespeitado, talvez não valha a pena.
7) Residências de especialidades cirúrgicas (ortopedia, cirurgia, otorrino e ginecologia e obstetrícia) são realmente mais puxadas. Dificilmente 60h semanais serão suficientes para que aprenda a lidar com ambulatório, enfermarias e centro-cirúrgico. Se você escolheu uma dessas, terá que estar ciente de que não será nada fácil.
8) Os primeiros meses sãos os piores. São tipo um teste ou período de adaptação que os idiotas fazem com você. Após certo tempo você se adapta, ganha certo respeito, e os imbecis se cansam, te deixando mais quieto, desde que você faça seu serviço.
Após todas essas considerações, eis os meus conselho:
– Se você não gosta da especialidade escolhida, desista! Tem que fazer o que gosta!
– Se a residência é ruim, desista! Se ferrar durante anos para ter uma má formação não compensa!
– Se a especialidade é realmente a que você quer, se a residência é boa, e o problema é apenas com os residentes mais antigos e da grosseria dos preceptores, continue firme! Não permita que esses imbecis atrapalhem sua vida!
Espero ter ajudado… Sucesso, cara!
Um grande abraço!
Solon Maia
(Enviado via iPhone)
9 respostas para “Desistir ou não da Residência? [Texto – Carta do leitor]”
Sou Preceptor de Ortopedia e nao concordo com generalizaçoes tipo aqueles imbecis
Ortopedia é puxada,pesada,sobrecarregada é para quem gosta e tem”sangue no olho”
Se vc nao pensa assim saia
Seu comentario veio em ótima hora! 🙂
Queria fazer um adendo ao comentario do Alexandre. Sou preceptora de residencia na UFBA e sempre me coloquei contra a atitude de que o residente tem que “tocar o serviço”. Uma, que residencia é por definição “treinamento em serviço”, não tem como treinar com sobrecarga. Já começa a aprender errado. Da mesma forma sou contra médicos aceitarem que gestores queiram obrigá-los a atender mais pacientes do que tecnicamente recomendável. É caminho certo para erro médico e tratamento inadequado. O gestor sai de bonzinho porque mostra quantos atendimentos houve e o médico sai de malvado, inevitavelmente. Dito isto, residencia é mesmo mais puxada ainda que a faculdade de Medicina que já é o mais puxado dos cursos. Só deve ir adiante no curso e na residencia quem realmente gostar. Ou vai passar o resto da vida fazendo mal o que não gosta e prejudicando pacientes, que é o pior. Solon, não consigo ver você como exageradamente revoltado. Você tem um fator que tempera para o bem qualquer revolta, o humor. Eu tenho mais de trinta anos de formada e continuo me indignando (e lutando por melhoras). Espero não me conformar nunca.
Muitíssimo obrigado pelo comentário! 🙂
Ortopedia é para quem tem sangue no olho… Tipico comentário que ratifica o post feito… Achar que goza de atribuições impares e se colocar acima de demais especialidades só corrobora com a ideia equivocada, para ser mais polido, de que residencia é para formar super heróis e não médicos, que devem ser consoantes com seus ansios e os anseios do outro ser humano a quem oferece seus cuidados. Fica até fácil de entender os abusos cometidos nos serviços de residência.
EXATAMENTE!!!
Na minha opinião, se a pessoa percebeu que não gosta da especialidade, que aquilo não vai deixá-la feliz, deve sim largar a residência e começar tudo de novo, não importa o quanto seja difícil. Dinheiro é importante sim, mas a felicidade e satisfação pessoal vêm em primeiro lugar. Meu caso é um exemplo, fiz uma residência de 3 anos, percebi que não era o que eu queria e hoje estou estudando para prestar prova novamente. Ao R1 que lhe escreveu, digo que ele não está sozinho nessa situação e que não deve pensar que “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”, se está infeliz deve buscar outro caminho.
Entrei na residência de Ortopedia em 2008 na Santa Casa de Santos……. Dificil, estressante, cansativa, puxada pra caramba…….. E até hoje ainda não descobri quem disse que Ortopedista não estuda! Livros gigantes de técnica cirúrgica, propedêutica ortopédica, etc……. Mao, quadril, Pediatrica, joelho, pé e tornozelo, oncologia, coluna, trauma, ombro e cotovelo, osteometabolicas…… MEU DEUS!!!!! Kkkkkkk……O R1 leva o serviço praticamente nas costas… Rsrs… Como R1 ja dormi no centro cirúrgico, no conforto médico, no consultorio… Normal. Levei bronca de chefe e R+… Mas nenhum deles nunca me faltaram com respeito. Existem residentes “escrotos”? SIM. Mas esses não devem fazer com que se generalize a qualidade do serviço. Entre os residentes deve haver cumplicidade e apoio. Sao 3 anos de renúncias na vida social e familiar, e, se for o que realmente quer, valerá a pena. Como R2, R3 e R4 tive R1s com essa mesma dúvida e com vontade de largar a residência. Hoje são excelentes profissionais! Encontraram em mim apoio e cumplicidade. Conseguimos melhorar o serviço de residência…! Não me arrependo de ter escolhido essa área.
Agora, se não for Ortopedia e Traumatologia a área pretendida, tem que sair e procurar outra residência.
R1 assusta em qualquer área e deve-se estar preparado pra trabalhar e tocar ficha como um louco! Kkkkkkk
Sou R-2 de CG, casada,tenho 1 filho de 3 anos… enquanto R-1 não havia 1 só dia q eu pensava em desistir da redidência. Essa sensação passou há pouco tempo quando eu senti q realmente apesar de tudo eu gosto do q estou aprendendo e vale a pena seguir em frente. Nenhuma residência é perfeita, acho q dependi muito mais de nós do q da própria escola para ter uma boa formação.