Os serviços de saúde destinados ao atendimento de urgências e emergências são, em sua essência, problemáticos, tanto no setor público quanto no privado. As pessoas dificilmente tem o conhecimento e o preparo adequados para lidar com os protocolos, fluxos e padrões de atendimento preconizados e adotados em tais unidades de saúde. Aliado a isso, ainda temos grande parte dos usuários com os ânimos exaltados por fatores diversos, como dor, desconforto, ansiedade, medo, ignorância, prepotência, etc.
Como se não bastasse todos esses fatores, ainda temos que lidar com o pior de todos; o egoísmo. Algumas pessoas dificilmente aceitam a ideia de que a saúde do “todo” é mais importante que a do “eu.” Acham que seu problema é mais importante e requer mais agilidade; não admitem prejuízo em sua assistência em detrimento ao próximo, mesmo que o quadro justifique tal situação em termos de gravidade ou condições como idade, gestação ou deficiência física.
Hospitais e clínicas são verdadeiros barris de pólvora, gerando cada vez mais insatisfação, críticas e ataques, resultando em situações deveras problemáticas, das quais pretendo tratar nos parágrafos seguintes.
Poucos setores em unidades de saúde são tão conturbados e problemáticos quanto os chamados de “portas abertas”. São aqueles em que a pessoa não precisa marcar consulta e nem fazer acompanhamento com o mesmo médico; ela simplesmente procura a recepção e aguarda atendimento para um problema pontual e inesperado, e que requeira certa agilidade ou urgência.
Procure saber se seu caso não é ambulatorial, ou seja, aquele tipo de caso que necessita de marcação de consulta, que pode esperar pela disponibilidade de vagas e horários, e que necessitará de acompanhamento, que você não terá em um pronto-atendimento.
No Brasil, temos dois tipos principais de serviços de “portas abertas”, que são o pronto-atendimento e o pronto-socorro, embora a maioria das pessoas acabe usando pronto-socorro para definição desses dois serviços.
Na prática, observamos que os serviços de pronto atendimento não tem estrutura para atender urgências e emergências. São consultas mais simples, quase ambulatoriais. Se você chegar com um tiro na cabeça, amputação de uma perna ou com sintomas de infarto, é bem provável que não receba o devido atendimento por falta de condições do local. Será feito o mínimo do mínimo, para em seguida ser providenciado encaminhamento para unidade de pronto-socorro.
Procure saber se o local que você está é um pronto-socorro de verdade, com estrutura para atender todo tipo de caso, com estrutura para atendimentos mais complexos, com exames complementares, especialistas de sobreaviso, vagas para internação, UTI, etc, ou se é destinado apenas a casos mais simples. É sempre bom que você saiba onde encontrar tais serviços em sua cidade, para evitar que fique horas na fila e saia sem o devido atendimento, ou para evitar que seja levado com um caso grave para um local que não possa atende-lo.
Chegando num pronto-socorro, você verá pacientes de todas as idades e condições. Esse é outro problema comum por aqui: Dificilmente vemos prontos-socorros com a chamada “classificação de risco”. O médico fica fechado no consultório sem ter a menor ideia se o último da fila é um infartado ou um paciente com uma verruga ou coceira.
Todo paciente que chegar julgando ser urgente, exigirá da recepção que o médico o atenda de imediato, e considerando a demanda dos nossos serviços, caso o médico pare uma consulta sempre que chegar um paciente, a fila simplesmente não irá andar.
O ideal é que os pacientes que procurem a unidade, sejam classificados imediatamente por um médico ou enfermeiro, antes de receber o atendimento definitivo. Dependendo da gravidade do caso, a pessoa poderá ir para o final ou começo da fila. A classificação e seus critérios geralmente se dão através do “Protocolo de Manchester”, no qual pacientes são classificados nas cores azul, verde, amarela, laranjada e vermelha, indo de casos de menor para maior gravidade, recebendo a devida prioridade no atendimento.
Localize em sua cidade, um hospital que disponha de um pronto-socorro de verdade, e que conte com classificação de risco. Ela é fundamental para que haja agilidade no atendimento. Sem essa classificação, o atendimento já começa bastante falho.
Feita a classificação de risco, você deverá ter em mente que os casos mais graves passarão na sua frente. Se chegarem cinquenta mais graves que você, todos eles serão atendidos primeiro. Outra coisa: O profissional encarregado da classificação segue os protocolos; sua avaliação não é subjetiva. Se ele disse que seu caso não é grave a ponto de passar na frente dos outros, pouco vai adiantar você espernear. Entenda como funciona:
– Não urgente (Pacientes classificados com a cor azul): Podem aguardar atendimento por até 04 horas, ou mesmo serem encaminhados para outras unidades de saúde sem o atendimento devido à lotação da mesma. Exemplo: Micoses, dores crônicas leves, paciente querendo fazer “check-up”.
– Pouco urgente (Classificados com a cor verde): Podem aguardar atendimento por até duas horas ou mesmo serem encaminhados para outras unidades de saúde. Exemplo: Resfriados, DSTs não complicadas, dor de cabeça leve a moderada, diarreia leve.
– Urgente (Cor amarela): Necessitam de atendimento rápido, mas podem esperar até cinquenta minutos. Exemplo: Cólica renal, fraturas fechadas, febre alta, asma leve a moderada, dor de cabeça intensa, cortes superficiais.
– Muito urgente (Cor laranja): Necessitam de atendimento praticamente imediato, em até 10 minutos. Exemplo: Sangramento moderado a intenso, fraturas expostas, amputações, dores no peito, perda de movimentos.
– Emergência (Cor vermelha): Necessitam de atendimento imediato, pois correm risco iminente de morte. Exemplo: Paciente inconscientes, com forte suspeita de infarto, AVC, grandes sangramentos, convulsões.
Se você não foi classificado como urgente, muito urgente ou como emergência, se prepare para esperar por tempo indefinido, ou procure outra unidade mais vazia. Esse prazo estipulado para espera é uma estimativa. Pode ser que se passe o dia todo e sempre cheguem casos mais sérios que o seu.
Caso esteja demorando muito, você tem todo o direito de reclamar na recepção ou com o médico, mas isso pouco vai adiantar. Eles não vão passar você na frente de outros pacientes mais graves só porque você quer ou porque está fazendo escândalo, e também não terão como arrumar mais pessoal para atender a todos mais rapidamente. O ideal é que você procure a direção do hospital para exigir providências.
Muitos irão falar que médicos ficam dormindo enquanto pacientes esperam, ou que fazem corpo mole, ou que ficam conversando no celular ao invés de trabalhar… Realmente existem profissionais irresponsáveis que se comportam dessa maneira, mas garanto que são uma minoria. Se este for o caso, também não vai adiantar muito reclamar para uma pessoa que tem essa índole. Nesse caso, também é melhor que procurem a direção do hospital para exigir providências.
Seja qual for a razão para a demora, a pior coisa que um paciente faz é destratar, agredir ou ameaçar a equipe que vai prestar seu atendimento. Por mais que exista ética profissional, não se esqueça que são pessoas, e que dificilmente conseguirão te atender com qualidade e boa vontade após serem desacatados. A boa educação e o diálogo sempre serão o melhor caminho. Trate bem aquele que vai te atender.
Se você vê um determinado hospital sempre cheio e com grande demora no atendimento, isso geralmente não é culpa da equipe de enfermagem e nem da equipe médica. Eles são pagos para prestarem atendimento, e não para acabarem com as filas ou tempo de espera. Se a demora é grande, esse é um problema de gestão hospitalar. Cabe à direção técnica tomar as medidas cabíveis, como ampliação da unidade, contratação de mais pessoal, redirecionamento de fluxo de pacientes, etc.
Os profissionais que estão ali sendo cobrados por agilidade geralmente estão sob alta pressão e estresse, e são tão vítimas da ineficiência dos gestores quanto os pacientes. Reclamem na direção por melhorias, e caso a situação se perpetue, talvez seja hora de procurar um concorrente ou recorrer a instâncias superiores, como secretários de saúde, ministério público, etc.
Um hospital que vive cheio, com enorme tempo de espera, muitas brigas e escândalos, dificilmente vai prestar um atendimento de qualidade. Tente melhorias junto aos gestores responsáveis. Caso tenha outras opções, procure um outro serviço que te ofereça atendimento de qualidade. Não adianta viver indo sempre no mesmo hospital, vendo os mesmos problemas, reclamando e brigando do mesmo jeito, enquanto os verdadeiros responsáveis são poupados. Procure a fonte do problema, ou caso tenha opção, procure outro serviço.
Conhecer a dinâmica do atendimento em urgências e emergências, o funcionamento de um pronto-socorro, bem como suas nuancias e problemas mais comuns, o ajudarão a decidir quando procurar tal atendimento, onde procurar, como proceder e como minimizar as chances de uma má condução ou frustração referentes ao atendimento.
Na próxima vez em que você estiver insatisfeito ou à beira de um ataque em um pronto-socorro, procure se lembrar deste texto e identificar os vários pontos envolvidos. Analise, pense, reflita. Recue se for o mais apropriado, haja com educação, ou se resolver atacar, o faça na direção certa.
Solon Maia
Médico e cartunista autor do blog Meus Nervos
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Uma resposta para “Entenda o atendimento em um pronto-socorro 01 [TEXTO]”
Realmente em muitos UPAs e PPAs que eu fui tinha a classificação e realmente funciona.
Não adianta ficar pensando ou querendo passar a frente de todo mundo só pq vc ta doente.
O ruim é quando não há o filtro por classificação da necessidade, pode ser por falta de equipe de enfermagem (já passei por isso) ou por estarem com várias urgências. Mas isso fica novamente por culpa da gestão e não dos profissionais de saúde.