Resposta: Porque mais de 90% das doenças infecciosas são causadas por vírus. Apenas este dado já resolve grande parte dessa questão. Pura e simples estatística.
O que é uma VIROSE?
As doenças transmissíveis, também chamadas de infecciosas e parasitárias, podem ser causadas por uma série de organismos, como bactérias, protozoários, fungos, artrópodes e vírus. Cientificamente falando, “virose” é qualquer infecção causada por vírus. São exemplos a paralisia infantil, as hepatites B e C, os resfriados, HPV, infecção pelo HIV, Sarampo, Raiva e muitas outras.
Daí vocês concluem: “Sacanagem então o médico falar que temos uma virose! Quando ele diz isso pode estar falando que podemos estar com doenças das mais variadas!” …Concordo com vocês, mas não digo que os profissionais estejam dando o diagnóstico errado ou que não saibam qual a é doença, mas é fato que não estão se comunicando como deveriam. Sabem o que o paciente tem, mas pecam na hora de explicar.
Quais são os SINTOMAS?
Quando o médico diz que o paciente está com uma “virose”, ele não se refere àquelas doenças variadas citadas acima, mas sim às mais comuns, como gripes, resfriados, rinites, sinusites e diarreias virais. É normal uma criança ter seis ou mais episódios em um ano e com o adulto não é muito diferente.
Quase todas dão dor no corpo, dor de cabeça, fraqueza, falta de apetite e FEBRE, para desespero das mães e avós, que pode ser muito alta e recorrente. “Ain, doutor! Eu dou o remédio, a febre abaixa, e depois volta de novo! Ain, vai morrer!” Isso é normal; a doença vai dar febre enquanto durar, mas o efeito do remédio só dura 3 a 6 horas, ela vai voltar após isso. [CONTINUA…]
O risco da febre é a criança convulsionar, mas isso raramente vai acontecer se a temperatura for controlada. Caso não seja, procure um pronto-socorro, mas não se desespere. A febre geralmente não é sinal de gravidade da doença, e o fato dela persistir nos dias iniciais é esperado. Preocupe-se mais com convulsões, desmaios, falta de ar, desidratação, dor abdominal intensa, sangramentos, etc. Esses sim são motivos de preocupação.
Como é feito o DIAGNÓSTICO?
As doenças infecciosas agudas mais comuns tem certas características, que se combinadas ao exame físico, na maioria das vezes dispensam exames complementares. Só a consulta geralmente resolve, MAS TEM UM PORÉM: No início do quadro, mais comumente no primeiro ao terceiro dia, os sintomas são inespecíficos…
A pessoa tem febre, dor de cabeça, indisposição, dor no corpo, uma diarreiazinha leve e/ou náuseas, mas não tem nenhum sintoma específico que ajude no diagnóstico! Todas as viroses podem apresentar-se com tais sintomas! Aliado a isso, há o fato de não haver qualquer sinal ou sintoma que sugira doenças graves ou complicações, e ainda está cedo para que exames se alterem e ajudem a elucidar o quadro. Conclusão: Provável virose, sem foco definido! Sem diagnóstico preciso! Não dá pra saber! O médico tratará os sintomas e orientará retorno para reavaliação. Com o tempo, a doença se manifestará por completo e os sintomas e alterações no exame físico permitirão o diagnóstico. Se ainda sim restar dúvida, com o tempo os exames começam a se alterar e a ajudar o médico.
Exemplo: o sujeito que chega no consultório com dor na garganta, coriza, tosse seca, olho vermelho, febre, dor no corpo, dor de cabeça e fraqueza. Médico olha a garganta e tá só vermelha. Pulmões limpos. Sem falta de ar. Ele sabe que é uma Faringoconjuntivite viral, mas pra simplificar diz que é virose, sem saber que na verdade está é complicando.
“Mas que vírus é esse? Eu quero saber!” Existem mais de 200 vírus causadores de resfriados, por exemplo… Se você quiser ter certeza absoluta de qual é, terá que fazer exames muito caros, que seu plano de saúde provavelmente não irá cobrir. Se ainda sim você quiser, saiba que tais exames provavelmente não estarão disponíveis na sua cidade; o material terá que ser mandado para laboratórios específicos, geralmente em grandes centros de pesquisa. Se você insistir e resolver fazer tudo isso, TALVEZ em uns 20 a 30 dias você consiga descobrir qual é exatamente o vírus em questão, mas o detalhe que até lá você provavelmente já estará curado.
“Mas porque não pode ser uma infecção por bactéria?” Porque a Faringoamigdalite bacteriana raramente dá sintomas gripais, e quando olhamos a garganta vemos placas gigantes de pus, petéquias e uma vermelhidão bem maior.
“Por que não pode ser pneumonia?” Primeiro porque é muito difícil uma pessoa pegar uma pneumonia logo de cara; isso quando acontece é geralmente em idosos, desnutridos, aidéticos, alcoolistas, pacientes com câncer avançado e etc. Depois, porque os pulmões estão limpos, sem falta de ar, etc.
“Ah, mas eu tô com dor no peito!” Se os pulmões estão limpos, a dor muito provavelmente é muscular, de tanto tossir, e porque a doença normalmente já causa dor no corpo. Para um pulmão doer por causa de uma pneumonia, a coisa geralmente está muito feia; o médico vai perceber pela história da doença, pelo exame físico e etc.
“E por que não é dengue?” Porque dengue não causa sintomas respiratórios!
“Mas o médico disse que era virose, resfriado, e após uma semana eu estava com pneumonia! Vou processar esse desgraçado!” …Não, criatura! Não deu o diagnóstico errado. Acontece que o seu resfriado complicou com pneumonia. Você deu azar! Por isso que o médico deve orientar o paciente a retornar caso piore ou a caso a doença dure mais tempo que o esperado, cerca de 5 a 7 dias. Toda doença pode complicar, e o médico não tem como adivinhar, apenas minimizar as chances.
“Mas ele nem passou antibiótico! Aquele açougueiro desgraçado!” Antibióticos servem para matar bactérias; se a doença é viral, não adianta você se entupir de amoxicilina, tetraciclina e esse tantos que as pessoas adoram. Vai virar uma bagunça de remédio, resultando em efeitos colaterais e alterações de exames, dificultando o acompanhamento e tratamento.
Outro exemplo: Você está com uma diarreia monstruosa; só a água, vinte vezes por dia, associada a dor no corpo, febre, cólicas abdominais, fraqueza. O médico sabe que é uma infecção viral intestinal, uma gastroenterite viral, mas pra tentar simplificar, diz que é virose e acaba complicando de novo.
“Mas por que não é diarréia bacteriana, dotô?” Porque a diarreia bacteriana causa evacuações em menor quantidade, com fezes fragmentadas, com presença de muco ou sangue nas fezes, sensação de evacuação incompleta, dor abdominal importante e outros sintomas específicos.
“Mas e as outras doenças infecciosas?” Cada uma tem um sintoma particular, um comportamento específico. Deixe que o médico pense isso pra você.
Qual o TRATAMENTO?
As infecções virais mais comuns não tem um tratamento específico, são autolimitadas, acabam ficando boas sozinhas, com o tempo, por ação do seu próprio organismo. O tratamento que o médico prescreve é apenas para aliviar os sintomas e pra tentar evitar alguma complicação.
Podemos prescrever diversos medicamentos sintomáticos, que variam de profissional pra profissional. Daí, se você fica indo todo dia no pronto-socorro, vai acabar gastando horrores com vários medicamentos, e no fim das contas vai acabar curado no mesmo tempo que ficaria se tivesse ficado apenas no primeiro tratamento, ou mesmo se não tivesse tomado nada.
“Então não tem remédio que mata vírus?” Tem sim! …Mas para as doenças agudas comuns, que são genericamente chamadas de viroses, como gripe, resfriado, sinusite viral, diarreia viral, etc, o antivirais não tem eficácia alguma. Antivirais só são indicados em casos bastantes específicos e bem mais incomuns, como em alguns casos da gripe, que é tratada com o famoso Tamiflú, ou para tratamento de hepatites, herpes, HIV e outros.
E como eu EVITO PEGAR ESSES MONSTROS?
A principal medida de controle é manter hábitos de vida saudáveis, ter higiene e evitar aglomerações de pessoas, o que é muito difícil. Lavem bem as mãos, evitem passá-las nos olhos e na boca, não compartilhem copos, garrafas e talheres. Se você está doente, tenha consciência e bom senso e tente não contaminar tudo à sua volta com suas secreções.
“Mas tem algum fortificante? Alguma vitamina que previna?” NÃO! Não tem. Vocês vão escutar os mais diversos absurdos por aí, seja do vizinho, da avó, do picolezeiro e etc. Bote na cabeça que essas pessoas não sabem medicina, nunca estudaram pra isso, e não tem o menor embasamento pra estar ensinando isso para as pessoas. Poucas coisas são mais inúteis que a tal “sabedoria popular.”
Não fiquem neuróticos quanto às doenças infecciosas… Faça sua parte sabendo que irá adoecer e se curar várias vezes ao longo da vida. Ficar em casa ou dentro de uma bolha não vai resolver muita coisa, mas também não vá chutar o balde fazendo nojeira por aí.
FIM DE PAPO
Não quero aqui ensinar vocês a se autodiagnosticarem. SE ADOECEU, PROCURE UM MÉDICO! A intenção desse post a de informar! Quero que entendam que o médico (geralmente) sabe o que está fazendo.
Nós, médicos, sabemos que a maioria das pessoas não suportam ter que nos procurar. Sabemos também que muitos de vocês simplesmente nos odeiam. Sim, nós sabemos o quanto a população em geral fala mal da nossa classe. Se a situação já é ruim assim, tente não piorar. Procure tratar bem o seu médico, e não desconte nele seu descontentamento com a doença, ou suas frustrações com a espera no pronto-socorro, nem sua insatisfação com seu plano de saúde.
Outra coisa importante: Se você tem dúvidas, PERGUNTE!!! Vivo ouvindo que “o médico não disse nada.” Vai ver ele não disse tudo que você queria saber pressupondo que você tivesse entendido. Aí você não pergunta, ele acha que tá tudo bem. “Ain! Mas ele não disse nada mesmo!” ENTÃO PERGUNTE! Faça disso uma rotina sempre que for se consultar: Qual o nome da doença que eu tenho? Quanto tempo dura? Quais os riscos? Eu devo me preocupar se acontecer que tipo de coisa? Preciso de repouso? Se sim, por quanto tempo? Se sim, o senhor pode me dar um atestado? Preciso fazer acompanhamento? Tenho que procurar um especialista? PERGUNTE! PERGUNTE!!! P-E-R-G-U-N-T-E-!-!-!
Se você mostrar interesse de forma educada, seu médico vai te explicar tudo que você quer saber. Se por fim você ficar insatisfeito, procure outro. Você não é obrigado a se contentar com o diagnóstico de um só, e se não confia no profissional, não vai adiantar brigar ou espremê-lo contra a parede. Lembrem-se ainda que existem doenças bem mais incomuns que começam o quadro com sintomas inespecíficos, e É NORMAL receberem vários diagnósticos antes de descobrirem o que você realmente tem. A falha do diagnóstico e o insucesso do tratamento faz parte da investigação de muitas doenças. O “erro de diagnóstico” é algo esperado na medicina, e o “erro médico” também, pois ninguém é perfeito.
Se depois de todo esse texto ainda permanecer a dúvida e a desconfiança quanto às “viroses” e quanto ao preparo do médico para lidar com as mesmas, talvez o melhor para você seja realmente pedir conselhos para a avó, ou pesquisar seus sintomas na internet, ou se consultar com o balconista da farmácia. Certas coisas na vida algumas pessoas só aprendem dando muita cabeçada na parede.
Autor: Solon Maia
Médico formado em 2007, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Residente de Anestesiologia pela Universidade Evangélica de Anápolis
Cartunista e escritor autor de todo o conteúdo do blog http://www.meusnervos.com.br/
5 respostas para “Por que tudo para médicos é VIROSE? [TEXTO]”
Vontade de estampar esse texto em todo PS.
Nem adianta,Daniela,não vão ler
Não vão ler ,texto grande,a preguiça de ler é maior ainda
Excelente, deveria ser distribuído uma cartilha com algumas explicações.Evitaria as automedicaçoes.
As pessoas deveriam deduzir que virose vem de vírus e que existem muitas doenças causadas por vírus porém, devido a educação falha de nosso país, a alternativa mais fácil de ser adotada pelas pessoas é xingar tudo: educação, escola, professores, saúde, hospitais, médicos, segurança, policiais… Na verdade a educação não pode ter grau elevado no Brasil, porque se o houverem muitas pessoas com grau elevado de estudo não haverá tanta mão de obra quanto existe hoje. Países de 1º mundo estão sentindo falta de mão de obra e esta provém de lugares como o Brasil. O jeito é estudar e lembrar que se as pessoas se qualificaram, ao dar um diagnóstico devem ter o máximo de certeza possível, e ao invés de contestar, perguntar, como dito no texto. Educadamente, é claro, pois você não pode esperar um bom tratamento de alguém que você não respeita. Concordo com a Ana Maria Peixoto, deveriam ser feitas cartilhas com este texto e disponibilizada nos mais diversos lugares a fim de sanar a ignorância das pessoas.