Entenda o atendimento em um pronto-socorro 01 [TEXTO]
Os serviços de saúde destinados ao atendimento de urgências e emergências são, em sua essência, problemáticos, tanto no setor público quanto no privado. As pessoas dificilmente tem o conhecimento e o preparo adequados para lidar com os protocolos, fluxos e padrões de atendimento preconizados e adotados em tais unidades de saúde. Aliado a isso, ainda temos grande parte dos usuários com os ânimos exaltados por fatores diversos, como dor, desconforto, ansiedade, medo, ignorância, prepotência, etc.
Como se não bastasse todos esses fatores, ainda temos que lidar com o pior de todos; o egoísmo. Algumas pessoas dificilmente aceitam a ideia de que a saúde do “todo” é mais importante que a do “eu.” Acham que seu problema é mais importante e requer mais agilidade; não admitem prejuízo em sua assistência em detrimento ao próximo, mesmo que o quadro justifique tal situação em termos de gravidade ou condições como idade, gestação ou deficiência física.
Hospitais e clínicas são verdadeiros barris de pólvora, gerando cada vez mais insatisfação, críticas e ataques, resultando em situações deveras problemáticas, das quais pretendo tratar nos parágrafos seguintes.
Poucos setores em unidades de saúde são tão conturbados e problemáticos quanto os chamados de “portas abertas”. São aqueles em que a pessoa não precisa marcar consulta e nem fazer acompanhamento com o mesmo médico; ela simplesmente procura a recepção e aguarda atendimento para um problema pontual e inesperado, e que requeira certa agilidade ou urgência.
Procure saber se seu caso não é ambulatorial, ou seja, aquele tipo de caso que necessita de marcação de consulta, que pode esperar pela disponibilidade de vagas e horários, e que necessitará de acompanhamento, que você não terá em um pronto-atendimento.
No Brasil, temos dois tipos principais de serviços de “portas abertas”, que são o pronto-atendimento e o pronto-socorro, embora a maioria das pessoas acabe usando pronto-socorro para definição desses dois serviços.
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Decreto Nº8497 e o Mais Especialidades [TEXTO]
Quando o “Programa Mais Médicos” surgiu, todos se perguntaram de onde sairiam centenas de médicos dispostos a se arriscar nos rincões do país, sem estabilidade, sem vários direitos trabalhistas, sem segurança e sem condições dignas de trabalho. Não demorou e o governo tirou suas cartas da manga: Concedeu incremento na nota da prova de residência médica daqueles que participassem do programa, e ainda promoveu importação de médicos cubanos sem revalidação do diploma, sem qualquer controle referente à veracidade e qualidade de sua formação. Médicos sendo “obrigados” a trabalhar no SUS, e os estrangeiros servindo de fachada, para engrossar o caldo.
Nas últimas eleições, em 2014, a propaganda passou a ser o “Programa Mais Especialidades”. Outra pergunta acabara de surgir: Onde conseguiriam de uma hora para a outra tantos médicos especialistas para trabalhar no SUS? A criação de mais vagas de medicina e de residência médica já estava em andamento, mas seriam especialistas a muito longo prazo. Isso não respondia a nossa pergunta, o que abriu espaço para especulações diversas, como a possibilidade de importação de cubanos especialistas, criação e ampliação dos convênios entre SUS e rede privada de atendimento, ou criação de concursos para médicos especialistas atuarem na saúde pública. Nada parecia razoável para desvendar essa questão… Até agora!
Nesta última terça-feira, dia 04 de agosto de 2015, esse mistério pode ter sido desvendado, com a publicação do Decreto Nº8497, que “regulamenta a formação do Cadastro Nacional de Especialistas”. O governo simplesmente passou a controlar quem é ou não especialista. Se antes taparam buracos com os colegas cubanos, agora poderão fazê-lo com especialistas fabricados às pressas e sem controle de qualidade.
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Meus Nervos entrevista – Dr. Marcelo Caixeta
Dando início à coluna de entrevistas do Meus Nervos, temos a honra de conversar um pouco com o ilustríssimo Dr. Marcelo Caixeta. Há anos que acompanho seus textos na internet. Sou seu fiel leitor e grande admirador, o que me deixou ainda mais honrado e grato pela oportunidade. Aqui falaremos um pouco sobre a psiquiatria, sobre o perfil psiquiátrico do médico brasileiro, sobre política, medicina como um todo e muito mais. Espero que gostem!
O Dr. Marcelo Caixeta nasceu em 1963, tendo morado no interior de Goiás, em Itumbiara, até seus 16 anos. Filho de um dentista, Dr. Heleno Caixeta, com a dona de casa Naruna Ferreira, formou-se médico pela UFG em 1986, se especializando em psiquiatria pela USP e Universidade de Paris XI. É um dos fundadores da instituição filantrópica ASMIGO, que atende crianças e adolescentes com problemas psiquiátricos graves. Sempre se dedicou a atividades científicas diversas, já tendo publicado 13 livros médicos, além de vários artigos científicos em revistas especializadas e livros técnicos. Um destes livros, “Psicologia Médica”, já na segunda edicação, é adotado em várias Faculdades de Medicina no país. Atualmente escreve para o Jornal Diário da Manhã e publica textos diversos na internet, com temas diversos, mas geralmente relacionados à medicina dentro dos mais variados contextos.
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Dando início à entrevista, falemos um pouco sobre sua especialidade. O senhor acha que a psiquiatria ainda é rodeada por muito preconceito? Ou acha que as pessoas estão mais informadas e abertas quanto ao diagnóstico e tratamento de doenças mentais?
As pessoas estão um “pouquinho” mais abertas, por exemplo, a classe média , hoje, já sabe que “depressão, ansiedade” ( e não só “loucura” ) se tratam com médico psiquiatra. Mas, não podemos tampar o sol com a peneira, o preconceito é enorme, e, infelizmente, ao meu ver , continuará sendo. Isto porque a formatação da especialidade, ao meu ver, é mal-desenhada. É desenhada para ser , sempre, uma especialidade que “lida com loucos”, desequilibrados, drogados, criminosos, impulsivos, pervertidos, falhos de caráter, e ninguém quer ser qualificado como tal… Por outro lado, lida com o cérebro, um órgão que é cada vez mais apropriado, assenhorado, pela neurologia ( que hoje – justificando que são “doenças cerebrais’ – já se ocupa de doenças que antes eram do âmbito da psiquiatria ). O paciente prefere muito mais dizer que tem um “problema no cérebro” do que dizer que “é um doente mental”. Ninguém tolera isto.
Por esta e outras, no hospital onde trabalho, não há placas de nada ou ninguém dizendo que se trata de “psiquiatria”, pois isto espanta a maioria dos clientes. Somos como a “Geni” da música do Chico Buarque : eles nos procuram só na calada da noite, só quando “ninguém mais os quer”, só quando todos os recursos foram esgotados, tanto as reservas psicológicas quanto também, de modo geral, as financeiras….
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Alguns profissionais são sabidamente mais acometidos por doenças como depressão, ansiedade, estresse e burnout. O médico é um desses profissionais? Quais os diagnósticos mais prevalentes na nossa classe?
É uma pergunta muito interessante, muito profunda. Vários capítulos de nosso livro “Psicologia Médica” são dedicados a ela. A Medicina, até há pouco, era muitíssimo disputada em vestibulares, era um curso muito difícil, exigindo demais, tanto em termos de trabalho ( carga horária hospitalar ) quanto em termos intelectivos ( matérias muito pesadas, muito extensas, etc ). É claro que isto, hoje em dia, premido pelas políticas de “fazer-médicos-baratos” do Governo, vem mudando. Vestibular e cursos bem mais fáceis, etc. No entanto, até há muito pouco tempo, para passar em Vestibular, passar nas matérias do curso, o estudante tinha de ser até “doente” de tão obsessivo, preocupado, centrado, focado. Enquanto todos estão aproveitando o “sol do Brasil” para a piscina, a balada e para o futebol, o cara tem de ser “meio doido” para ficar com a bunda na cadeira e o olho num livro chato. A obsessividade, o “excesso de energia” intelectual, excesso de vontade, excesso de foco, muitas vezes, flertam com a ansiedade, a ansiedade flerta com a obsessão, e ambas flertam com a depressão. A depressão, por sua vez, flerta muito com estruturas biológicas bipolares, daí a alta incidência destas patologias entre os médicos e médicas.
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